Sabe aqueles dias nos quais você precisa matar alguém?
As mulheres chamam de TPM. Eu sou mais sincero e chamo de “dias que preciso matar alguém”. Sim, é esse o nome. Tem outros nomes, como “o dia em que o Deivid está com os cornos virados”. Mas eu particularmente prefiro “dias que preciso matar alguém”.
E não é “dias nos quais preciso matar alguém”, é “dias que preciso matar alguém” mesmo, porque homicídio e concordância gramatical não necessariamente precisam andar juntos.
São os dias em que tudo, absolutamente tudo, deu errado e eu, em algum momento, explodo.
Ando pela rua torcendo para que alguém menor que eu surja do nada, puxe uma faca e mande-me entregar o celular. Assim, eu tenho todos os motivos do mundo para fazer com que ele coma a faca, o celular e provavelmente um dos meus tênis. Claro que nunca aconteceu nada.
O motivo pelo qual nunca aconteceu nada é que meu rosto, quando estou assim, não deve ser dos mais simpáticos. Alguns meses atrás eu tive uma crise dessas e fui a Caratinga. Eu andava pela calçada e as pessoas iam desviando e abrindo caminho para mim. E evitando me olhar nos olhos. Num determinado momento, minha vontade era parar e berrar: “Vão se FU...”
Mas, quando eu explodo, dura apenas cinco minutos. Já os dias nos quais eu preciso matar alguém são bem mais raros (felizmente) e o ódio dura muito mais (infelizmente).
Nesses dias, se eu fosse um personagem de Star Wars, o Darth Vader ligaria para o Imperador assim que me visse, para falar:
– Mestre? Acho que tem um lado negro mais negro ainda que o nosso. Você nunca me disse nada sobre isso. Sabe de algo a respeito? Porque, pelo que vi, lá parece ser mais promissor em termos de carreira. Isso sem falar na satisfação pessoal.
Enfim, ninguém precisa ficar assustado. Estes dias são raros mesmo.
Mas recentemente tive um deles.
Logo depois de deixar minha namorada no ponto de Onibus, estava andando pela rua com a minha melhor expressão, quando o tal moleque menor que eu com uma faca surgiu do nada, mas na figura de um bêbado. Foi na frente da UNEC.
– Ei! Vozzzzzê aí!
Eu parei e olhei.
Eu já havia visto este bêbado ali algumas vezes. Está sempre gritando e mexendo com as pessoas na rua.
Enquanto ele se aproximava, tentei incinerá-lo com meus olhos. Não deu certo.
Meu punho se fechou.
Como vi Sherlock Holmes esse mês, planejei com cuidado cada um dos meus movimentos. Eu iria quebrar o nariz dele com um murro; ele iria ficar tonto; eu daria uma voadora; ele cairia para trás, sobre o capô de um carro estacionado a poucos metros. E eu terminaria a surra o segurando pelos cabelos encardidos e enfiando meu joelho em sua boca. Quando ele estivesse no chão, tentando contar os ossos quebrados, eu diria apenas “volte para sua cela ou eu irei atrás de você”, estalando o pescoço.
Não, melhor. Ia cobrir o FDP de porrada até chegarmos perto de uma lata de lixo. E de metal, tinha que ser um latão de metal. Com o pinguço no chão, pegaria o tampo do latão e o surraria impiedosamente com aquilo, até deixar seu rosto desfigurado. Aí, me levantaria e cuspiria na cara dele, resmungando ofegante que “Já era, seu bêbado filho da puta”.
(E, nos meus sonhos, o pessoal do Takuari sairia correndo assustado para a rua, para ver o que estava acontecendo, e eu já quebrava um deles de porrada também, para puni-los pelo fato de nunca terem troco.)
Mas mudei de idéia, por que a única lixeira ali perto é de plástico.
Não ia dar certo.
Estava pensando em qualquer surra de cinema quando o bêbado decidiu que eu havia demorado demais.
Era a vez dele.
– Vozzzzê conhezzzze zaquela piada do careca? jaaaá ouviu? a piada do careca?
E de repente eu me lembrei que não sou o Batman, nem ninguém.
Lembrei-me que sou o Deivid.
Quer dizer, na verdade eu estava prestes a me tornar o Careca da tal piada, mas, naquele instante, eu ainda era o Deivid. E, como Deivid, eu não dou voadoras nem tenho tampas de metal de latas de lixo. Eu tenho só as palavras.
E, como o sujeito parecia estar bêbado demais para se lembrar de que um dia alguém disse “paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras não me atingem”, fui em frente.
– Conheço. É aquela na qual o careca manda o bêbado ir tomar no cu.
Meu punho continuou fechado.
–Ooooi?
– É, é assim mesmo. Presta atenção que eu vou contar. Ok?
– Zok.
– Vai tomar no cu.
– ooOoi?
– Eu avisei que já conhecia.
Pensei em colocar um “mortal” no final da minha frase, mas o bêbado não teria entendido. (Nota mental: experimentar chamar alguém de “mortal” na próxima discussão que tiver na rua. Não me esquecer de fazer olhar de Deus. Hades, de preferência. Procurar imagens no Google para futura referência.)
– Hum... axo que não zera azzzim.
– Agora é. Vai embora antes que eu conte de novo.
– Tá. Xau.
– Tchau.
Virei a esquina, me apoiei na vitrine da Spazzio e fiquei rindo por cinco minutos.
"Às vezes, é mais fácil do que a gente imagina. E mais divertido."
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