03:30 de uma madrugada de uma segunda qualquer de 2009
Meu celular tocou três vezes. O identificador de chamada acusava “número privado”. Não atendi na primeira vez. Tocou de novo. Atendi, era uma ligação a cobrar. Desliguei. Tocou mais uma vez, outra chamada a cobrar. Fiquei preocupado.
Aceitei a ligação.
Era uma garota, claramente no meio da rua, querendo falar com o Cicilho. Ia gargalhar, mas lembrei-me que a ligação era a cobrar. Disse que não tinha ninguém com esse nome e desliguei. O telefone tocou. “Número privado”. Atendi. Era a mesma menina querendo falar com o tal Cicilho. Respondi que ela estava com o número errado e com algumas vogais a menos. Desliguei.
Tocou mais uma vez. “Número privado”. Foda-se. Atendi.
–Alô.
– Cadê o Cicilho?
– Quem está falando?
– Quero falá com o Cicilho!
– Sim, isso eu ouvi. Quem está falando?
– É a Lucilâneide.
Ok, o nome dela não era esse, mas não era muito diferente. E, cá entre nós, uma pessoa que liga 3 horas da madruga de segunda-feira, a cobrar e do meio da rua, para alguém chamado Cecílio, claramente não irá se chamar Rita Hayworth ou Vivien Leigh. Resolvi dar corda.
– Oi. Sou eu.
– Cicilho?
– Sim. Sou eu, Cecílio.
– Sua voz tá diferente!
Antes que eu respondesse, outra menina pegou o telefone e começou a falar.
– Cicilho? Vêim buscá nóis!
– Oi?
– Num é o Cicilho, a voiz tá diferente! Cicilho?
– Eu.
– Você num é você. Sua voiz tá diferente!
– Sou eu sim.
– Num é!
– Ok. E como é a minha voz?
– Sua voiz é mais fina!
– É que eu estava dormindo, por isso.
– Ai, já tá durmindo?
– Já. Acordei com vocês ligando.
– Então, a gente queria que você vinhesse buscá a gente e levá nóis pra casa!
Oi? Abusada, essa Lucilâneide.
– Putz, eu estava dormindo...
– Ah, Cicilho, pega nóis aqui. Tâmo no Jardim Roberto!
Jardim Roberto. Deus. Não faço idéia de onde fica isso. Isso tem pinta de nome de lugar que não possui água potável. Mas, resolvi ver o que tinha para mim nisso tudo.
– O que eu ganho, se eu for aí?
– Ah, Cicilho, você saaaaaaabe!
– Não, não sei. O que eu ganho?
A outra menina, ainda anônima, berrou no fone.
– TUDO O QUE VOCÊ QUERÊ!
Antes que eu gargalhasse no telefone, a Lucilâneide assumiu o controle da ligação. Mentalmente, vi ela segurando o telefone com uma mão e empurrando a outra menina, a do “querê”, com o pé.
– Vai, Cicilho, pega nóis aqui e leva pra casa.
– Já disse, quero saber o que eu ganho.
– Você num é o Cicilho, sua voiz tá fina!
– Não muda de assunto, Lucilâneide. O que eu ganho?
– Tudo, ué. É só pedi!
– Ok. Estou indo aí.
– Você tava dormindo com quem?
– Sozinho, ué.
– Você nunca dórmi sozinho!
– Bom, eu estava sozinho. Estou indo para aí. Chego em vinte minutos.
– Você dórmi num quarto cum monte de muié!
Fodão, esse Cecílio.
– É, mas estou sozinho hoje. Vou colocar uma camiseta e vou para aí.
– Você vêim como?
Fudeu. O que eu respondo?
– Como assim, como?
– É, você vêim como?
Resolvi jogar a bola para ela.
– Como você acha que eu vou?
– Num sei. Vêim de pé ou montado?
Montado? Ela acha que eu vou a cavalo para o Jardim Roberto? Bom, vamos ver o que sai.
– Montado, claro.
– Você num é o Cicilho! Tua voz tá diferente!
– Eu não quero mais ouvir isso. Vocês estão no Jardim Roberto? Estou indo.
– Cicilho, Cicilho...
– Não demora. E é bom se animar, porque agora eu perdi o sono.
– Você num é o Cicilho!
– Já já a gente conversa. Chego aí em uns vinte minutos.
– Tá bom. Vêim logo! Tá mó frio!
– Espere aí que estou chegando. E eu vou montado. Beijos.
– Bêju.
Eu avisei duas vezes: eu não sou o Cecílio.
Se ela não quis me ouvir, problema dela.
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